Pensavas mesmo que sairias ileso a mim?
Achavas que nosso caso seria assim,
uma fatia de pudim-de-leite
após um almoço de família no domingo?
Ah, meu bem, ledo engano!
Nem choramingo, nem me lamento, mas eu sempre tento
Há os tontos, que fogem. Os medrosos, que correm
E há a minha entrega, que sempre é inteira.
Cheguei sorrateira, e da mesma forma escapei
Sem um pingo de decência invadi tua intimidade
Sem pudor, entrei em ti
Em teus segredos
Em teus medos
Em teus gostos
Em traumas
Não, não tive calma
Isso é mau?
Ser radical?
Sendo ou não, sou essa
Sempre com pressa
não de mostrar
nem de ocultar
não de ser mais
nem de ser menos
só de ser eu em toda minha plenitude
Ao que (me) parece
teu aparente desinteresse
cedeu espaço à saudade
Pena que esse intervalo
fez com que nascessem e sumissem coisas
Formou-se uma espessa geleira
coisinhas gostosas foram parar na geladeira
Criei uma estante para os livros já lidos e relidos
estoquei os sentimentos lindos que pareciam fora de moda
aos teus olhos bem treinados e conhecedores dessa coisa toda
Sobraram os desejos,
memórias dumas cenas agradáveis,
meia dúzia de lembranças bonitinhas.
Guerra de bolinhas de papel
Bolinhos de chuva fim de tarde
Massagem nos pés após o longo passeio
Mensagens de amor e galanteios em bilhetes
Botões de rosa, bouquets e ramalhetes
ou flores roubadas dos jardins alheios
Restaram algumas cartas mofadas
Umas almofadas pelo chão da sala
(aquelas que bordei pra ti e deixaste aqui)
Um vinho seco esquecido naquela caixa velha
(que deixo próxima à janela do meu quarto)
Um licor de cereja, uma fita cassete, um copo trincado
e uma vela vermelha que a cigana te deu naquela última consulta
Nnunca acendeste...
Esqueceste?
Acho que nunca acreditaste nela,não é?
terá sido por isso que estamos assim, resumidos a pó?
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