sábado, 28 de maio de 2011

Transpor



Transborda pelas portas da pele
Pelas cordas do violão cansado
Pelos corpos sutis – e os nem tanto
Pelos dedos, pela mão e pelo manto
Pelas caras, pelas malas
Pelos pêlos, pelas máscaras
Pelas parcas idéias que me tomam a mente
Pelas marcas que surgiram de repente
Pelas lanças de que fujo
Pelas lamas em que me sujo
Pelos muros e lamúrias
Pelas histórias
Pelas vitórias
Pelas memórias apagadas
Transportadas por passagens secretas

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Não Cutuques Minha (F)Ilha


Não mexe com minha Ilha, não toca na minha filha,
na minha mãe, na minha linda, na minha lenda
Se não compreendes o teu encanto,
melhor nem mexer no pranto nato que ela tem e oculta.
Se não consegues preservá-la, nem vem olhá-la assim tão de perto.
É, meu caro amigo, podes ter uma surpresa
quando dum sono leve desperto,
te veres bem perto de um olho de sapo a te mirar.
Sapo com o olho esbugalhado,beiço costurado,
pedido socorro anunciado numa súplica implícita.
Não haverá benzedeira solícita
que dê jeito num feitiço tão perfeito.
E para ti será bem feito!
Quem mandou abusar das magias desta terra?
Quem disse que mereces paz se propões guerra?
se tuas mãos erram no peso e na medida
se te colocas a cutucar uma ferida
que não está ao teu alcance compreender...

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Feijão Preto


O cheirinho do bom feijão escapa da panela de barro, convidativo
Não se sabe bem como nem quando,
mas a noticia se espalha mais que o perfume do quitute
A cabana está cheia, é gente de todo lugar
Abancam-se pretos e brancos ao redor da esteira
E a água fervendo na chaleira é premissa dum bom café à vista
Ninguém que chega se sente visita, afinal, é dia das Santas Almas Benditas
Com Eles, todos sentem-se ‘de casa’, pois todos são da Sua família

Servida a feijoada, sorrisos distribuem-se de boca em boca
O melado de cana adoça o café, tempera a gostosa rosca
e salienta a doçura do olhar do bom pai-velho

E Saravá,
que essa doçura
seja sempre o nosso exemplo, nos lembrando
que amargura não cabe no caminhar
dum seguidor do Pai Oxalá

E Saravá,
que sua brandura, sempre à mostra
esteja a nos mostrar que o tempo
não é igual em todo lugar
que é preciso amar
que é preciso perdoar

Negros dedos
a macerar ervas e quebrantes
a dilacerar feitiços e mazelas
a tocar tambores e berrantes
a rezar
a afagar
a ensinar

Negros corações
carregados de força e fé
carregados de amor e axé

Do navio para o Brasil, onde sentem e rezam
Do tronco para o toco, onde sentam e benzem

Ao meu negro coração, gratidão
Das minhas raízes, orgulho
Ao meu negro passado, gratidão
Das minhas matizes, orgulho
Aos meus ancestrais, gratidão
Da minha curimba, orgulho
Aos meus guias atuais, gratidão
Da minha mandinga, orgulho

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Tempestade De Que Me Alimento


Às gargalhadas, ridicularizo o medo
Às pressas, revelo meus segredos
à primeira estrela que aparece entre as nuvens

Onde alguns vêem tempestade assustadora,
vejo água renovadora
Dor alguma
Só força

Em meio à fumaça que se move no céu
Vejo surgir uma fresta de luz
Depois outra
São raios
Seguidos de trovões

Botões de rosa brotam dum chão
pisoteado por qualquer caminhante desavisado

Traços de uma história contada ao vento
cravada de pássaros cintilando pelas bordas do teto do meu lar
que é livre, solto, sem paredes
crivada de lampejos desejosos de menos sede e mais dilúvio

domingo, 8 de maio de 2011

Magia de Mãe

Embalou meus sonhos
Ensinou-me os passos
as palavras, os segredos
Abalou minhas certezas, convidando-me a repensar
Quebrou as minhas dúvidas, encorajando-me a lutar
Mostrou-me que no mundo tenho meu lugar
Levou-me para ver a luz do luar e, no dia seguinte,
Queimou minhas feridas à luz do sol
Lavou minhas mágoas e manhas em água corrente
E deitou-me na grama para eu sentir a terra
Pediu silêncio para escutarmos o vento
Ali, segredos me revelou
Sorrindo um sorriso largo e farto
Segurou-me a mão como sempre o fizera e
dirigiu-se à praia, e nas águas sagradas do mar me banhou
entregou-me às ondas, às sereias, aos Devas, a Deus e à Deusa
mas nunca, nunca entregou-me à minha própria sorte
diz que não acaba o amor, nem quando chegar morte
diz que a magia de verdade é a do amor
que ninguém vê, mas todos sentem
que se multiplica e espalha sem alarde
que se enraíza em solo fértil ou fraco
que alimenta, nutre
que enaltece, doa

Essa mulher boa,
Essa doçura de ser
que já foi minha morada
agora vive em mim
Ensinamentos inesquecíveis
Reflexos dentro e fora

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Leve

Liberdade

Soltas as amarras
Viradas as páginas
sem mais lágrimas,
sem histórias amargas
só vitórias somadas
só belezas contadas

Realidade

Soltas as palavras
Viradas as noites
sem ansiedade
sem sentimentalismo
só boas comemorações
só gostosas inspirações

Variedade

Soltos os sons
Variantes os tons
sem excessos
sem exceções
só a pureza
só a leveza dessa simplicidade

domingo, 1 de maio de 2011

Varal


Olhei aquele céu assim com cara de quem queria chover em mim
E me perguntei o porquê do complô
Tentei estender algo no varal de idéias da minha mente tão cheia de coisa alguma que pudesse ser útil para um ser vivente no atual mundo previsível em que me prenderam
Um cesto de roupas limpas no chão
Um cento de sons presos no colchão
Uma vida inteira presa na garganta e nada que me desse ânimo para soltar a voz
Cada lacuna que havia fazia bem mais sentido oca mesmo
Cada loucura vivida parecia agora qualquer coisa a esmo